
O propósito deste artigo é promover um exercício teórico e analítico pelo cotejo de dois filmes brasileiros de clara associação temática, Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980) e Cidade de Deus (2002), cujos regimes de realismo se distinguem. Tal cotejo permite reconhecer a gestação de importantes mutações na retratação da marginalidade social brasileira. Enquanto Pixote organiza certo delineamento narrativo-audiovisual que acusa a herança neorrealista do “filme verdade” e estabelece certas afinidades com o Cinema Novo, em Cidade de Deus o estilo run-and-gun é expediente discursivo que não atenua as marcas da mediação técnica que produz as imagens, portadoras de estatuto de autenticidade. Embora o recorte seja breve, o artigo encaminha uma reflexão sobre o problema da enunciação cinematográfica em dimensão mais ampla. Em termos metodológicos, o artigo é tomado por envergadura analítico-interpretativa ancorada em procedimentos de análise fílmica, aliados a contribuições a respeito da enunciação cinematográfica.